quinta-feira, 15 de abril de 2010

sidarta

"...Replicou Govinda:
- Mas, dize-me: aquilo que chamas de coisas é mesmo algo real, algo essencial? Não será apenas uma ilusão da Maia, simples miragem, pura aparência? Essa tua pedra, tua árvore, teu rio, são ou não são realidades?
- Esse problema - disse Sidarta - não me preocupa tampouco. Quanto a mim, as coisas podem ser mera aparência, uma vez que, neste caso, também eu sou aparência, e assim serão elas sempre meus iguais. Eis o que as torna para mim tão caras e venerandas: são como eu. Por isso posso amá-las. E com isso te comunico uma doutrina que te fará rir, ó Govinda: tenho para mim que o amor é o que há de mais importante no mundo. Analisar o mundo, explicá-lo, menosprezá-lo, talvez caiba aos grandes pensadores. Mas a mim me interessa exclusivamente que eu seja capaz de amar o mundo, de não sentir desprezo por ele, de não odiar nem a ele nem a mim mesmo, de contemplar a ele, a mim, a todas as criaturas com amor, admiração e reverência."
(...)

" Tendo perdido a noção do tempo, já não sabendo se aquela visão durava um segundo ou um século, ignorando se já existiam Sidarta, Gotama, o eu e o tu, com as entranhas como que atravessadas por uma seta divina, cuja ferida tivesse doce sabor, com a alma enfeitiçada, detinha-se Govinda por mais alguns instantes. Inclinava-se por sobre o rosto plácido de Sidarta, no qual vinha de depositar um beijo, e que acabava de ser o cenário de todas aquelas formas, evoluções e existências. O semblante não se modificara, depois que, sob a sua superfície, tornara a fechar-se o abismo da infinita multiplicidade. Sorria silenciosamente, suavemente, ternamente, talvez com bondade, talvez com ironia, assim como outrora sorrira o Sublime.
Govinda curvou-se em genuína reverência. Lágrimas de que não se dava conta corriam-lhe pelas faces idosas. No seu coração ardia, qual fogo o sentimento de caloroso amor e de submissa veneração. Profundamente, até o chão inclinou-se Govinda diante de Sidarta, que se conservava sentado, imóvel, e cujo sorriso chamava à memória do amigo tudo quanto ele amara no curso da sua vida, tudo quanto já se lhe afigurara precioso e sagrado."


(Hermann Hesse)

2 comentários:

  1. Caraca, fiquei apaixonado pelo texto rs... aonde tu achou isso Lari ?

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  2. tirei de um excelente livro. Sidarta, do Herman Hesse.
    quando puder, leia!

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